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viagem da imaginação
Os meus amigos dizem que sou diletante, por me interessar tanto pelo passado, mas considero que existe uma crise de memória e que o nosso desinteresse pelas trivialidades dos velhos tempos é uma forma de complacência em relação ao futuro. Ontem, ao tomar chá com a Laura, não sei qual foi a razão, comecei a falar dos veículos de antigamente e, a certo ponto, expliquei que os nossos bisavós tinham automóveis. A Laura fez uma expressão de perplexidade, encolheu os ombros, disse que isso era natural, que havia carros. Interrompi-a e expliquei que eles os compravam. Ela olhou para mim, incrédula, disse que isso não fazia sentido. Obrigou-me a uma explicação detalhada: os nossos antepassados compravam as máquinas e conduziam-nas eles próprios; era um símbolo de estatuto. Expliquei que havia fábricas imensas, companhias com milhões de trabalhadores, que as pessoas até se endividavam para adquirir esses veículos. Para meu espanto, Laura desatou a rir-se.
A história era absurda, disse Laura, já que as pessoas podiam chamar um carro automático e ir para qualquer sítio por valores insignificantes, bastava dar a direcção à máquina e ela ia sozinha. Como era possível conduzir o meio de transporte de outra forma? Aquela resistência tornou-me pedante e fiz uma dissertação que a aborreceu de morte. Mostrei-lhe imagens de velhos automóveis e expliquei que se conduziam as máquinas mexendo num volante, no lugar da frente. Havia motoristas profissionais, milhões deles. Estes condutores humanos mostravam inabilidade natural e morria muita gente em acidentes de estrada. Laura ficou boquiaberta, mas a sua atenção foi esmorecendo. Senti que estava a ser um inaturável chato, a falar das velhas marcas, das diferenças estilísticas, do papel social daquela indústria. Às tantas, ela perdeu a paciência, sobretudo quando expliquei que os motores eram poluentes e usavam combustíveis fósseis. Perguntou: ora, porque é que eles não faziam carros eléctricos? Depois, já visivelmente impaciente, insistiu na questão da condução automática. Não respondi, percebi que a minha conversa era enfadonha. Para não a maçar, fui desviando para outros temas, mas fiquei a pensar que talvez esteja errado em insistir tanto nestas coisas mortas.