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viagem da imaginação
A festa na mansão de Sintra durou uma semana e o Alexis mostrou o novo quadro, a réplica de um obscuro mestre do expressionismo centro-europeu tardio. Aqueles verdes da tela! O mistério daquelas árvores que parecem fechar-se sobre o enigma das casas ao fundo! Tive profunda inveja. O que o dinheiro compra! O robô-pintor custou uma fortuna, chama-se Vincent, mas é pouco falador. Só há um modelo em Portugal, 45 em todo o mundo. A colecção do Alexis já vai em dez quadros clássicos, todos cópias precisas dos originais, incluindo as telas, as tintas e a pincelada, tudo enfim, à excepção da identificação de Vincent, obrigatória por lei, na parte de trás.
A mansão de Sintra fica isolada na floresta. Tem trinta quartos e um exército de robôs para todas as tarefas. Também há uma família de refugiados que não faz nada, só parece andar por ali, um exotismo adicional, capricho de milionário. A comida estava deliciosa, feita por um chef que é também modelo raro e dispendioso. Alexis tem este defeito: gosta de exibir a riqueza, esbanja a fortuna, é sempre extravagante. Tem ao serviço um filósofo (também só há uma centena de modelos) e acompanhantes lindíssimas, cuja felicidade e beleza enchem os salões de riso.
Nas caves, Alexis instalou a colecção particular. Há ali os mais estranhos objectos que o tempo pode reunir, como relógios mecânicos, brinquedos com duzentos anos, livros e pinturas originais da era industrial. Vi uma velha câmara fotográfica Zorkyn, soviética, do tempo da guerra fria, que ainda funciona. Na visita, Alexis mostrou aos convidados um velho telefone, suponho que do início do século XX. Explicou como funcionava (eu sabia, pois já vi num filme antigo): coloca-se o dedo indicador numa ranhura com o número escolhido e faz-se rodar o disco central do aparelho até ficar preso, largando-se o disco, que volta à posição inicial, depois marca-se outro número (e a maquineta faz re-re-re-re-re). E havia postais, rádios, colecções de cromos, moedas, um cheiro especial de poeira antiga. Espantou-me um jogo de xadrez com peças em madeira e adorei a Zorkyn (restam dez em todo o mundo), que foi mais cara do que o quadro das árvores verdes distorcidas.