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viagem da imaginação
No início do século XX, os intelectuais eram idealistas, acreditavam na igualdade, na revolução, na mudança, num universo contido e bem menos extenso, onde o ser humano dominava. Havia crença absurda no futuro, o que não impediu um resto de século bem amargo
Os artistas perderam as ilusões e, no início do século XXI, pelo menos para os escritores, o mundo começava a parecer incerto: a ruralidade desaparecera, a sociedade antiga extinguira-se, a ninguém passava pela cabeça viver em regimes de autoridade. As literaturas nacionais diluíram-se num grande corpo global. O excesso de crença era associado à intolerância e as pessoas mergulharam na adoração do dinheiro e da tecnologia. Instalou-se a superficialidade e triunfou o irreal.
Cem anos depois, os intelectuais continuam este caminho da degradação dos valores sólidos em que acreditavam os nossos antepassados de 1900, com certo cinismo na análise e menor importância das ideologias, dos sentimentos e da religião. Hoje, aceita-se a diferença, apesar do princípio de todos gozarem de certos direitos mínimos, ou seja, existe igualdade perante o Estado, mas desigualdade em tudo o resto. Triunfa a adoração do corpo e da beleza, as culturas fundem-se numa amálgama mestiça, a melhor arte é produzida em tempos de decadência.
Em 2115, as utopias já morreram por completo e vivemos na era do desencanto, dentro de um pessimismo cansado, errático e fantástico, com menos convicções e menos violência. A incerteza na estabilidade é, afinal, uma estranha forma de viver, e talvez isso explique a nostalgia. O nosso século XXII não tem revoluções nem guerras e, no entanto, todos os horizontes nos parecem sombrios. A história aquietou, adormeceu. Deixámos de acreditar no homem como divindade e habitamos o excesso, pois sabemos que o tempo se esgota, que a própria linguagem já não pode traduzir este desassossego estéril que nos rodeia.