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viagem da imaginação
Tenho andado isolado, metido nas minhas rotinas na biblioteca pública, a ler livros que ninguém requisitou durante décadas. Ontem, a caminho da biblioteca, encontrei na rua um conhecido e, no meio da conversa, ele disse uma coisa estranha: que nos tínhamos encontrado em determinada festa e eu fizera ali uma figura, enfim, ele não quis colocar a questão dessa forma, mas entendi que teria sido uma triste figura. Fiquei perplexo, tentei esclarecer logo ali a insinuação, julguei que ele teria ouvido uma história mal contada, talvez me tivesse confundido com outra pessoa, mas não, este meu conhecido insistiu na sua história: vira-me na festa, ainda em estado de sobriedade, mas já a falar demasiado alto e a mostrar uma conduta incorrecta; ele hesitou na palavra, não me queria ofender, começou por dizer que fora inconveniente na ocasião, depois fiz-lhe algumas perguntas e, pelas respostas, entendi que a minha atitude fora anormal e até ofensiva em relação aos outros convidados. O resto do relato era uma versão do que acontecera depois de ele sair do local: o meu comportamento degenerara em incorrecção ébria, depois em violência. Assegurei-lhe que nunca estivera nessa festa, que se tratava de um erro, mas o meu conhecido não aceitou a explicação: “Estive mesmo ao seu lado, assisti a uma parte da conversa em que tratou muito mal uma senhora, você estava bastante exaltado”. Deu a entender que não percebia a falta de coragem em assumir o que se fizera e despedimo-nos secamente, ele a ponderar na minha duplicidade, eu seguindo o meu caminho com a alma angustiada. Alguém garantia a pés juntos que me vira num local onde nunca estivera. Como era isso possível? E admiti, por um instante, que se passava algo de inquietante, talvez me tivesse transformado numa personalidade dividida, a parte lúcida sem noção do que fazia a monstruosa.